quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Um homem caiu no buraco

Que esse vídeo o faça refletir sobre a diferença entre religião e religiosidade.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Uma análise acerca do sofrimento


Pr. Cleber Macedo de Oliveira


O problema do sofrimento é, certamente, uma das grandes indagações da humanidade. Não é surpresa ler e ouvir pessoas comentando e questionando onde está Deus nesses episódios catastróficos. O interessante é que não questionam onde está Deus quando tudo vai bem, ou quando têm grandes conquistas na vida pessoal ou familiar. Isso é bem explicado quando se entende o arrogante coração humano. Na bonança usam o velho chavão do iluminismo, que diz: “O homem é a medida de todas as coisas”. Porém, quando a adversidade ofende a pretensa seguridade humana, este procura culpar aquilo que está fora de si. Realmente, sofrer é um problema.
Algumas religiões procuram se beneficiar do sofrimento, procurando nele algo pelo qual possa se agradar. Os estóicos e epicureus, por exemplo, procuram gozar determinado sentimento de alegria no sofrimento. O cristianismo, por sua vez, não está isento dele. O que nos resta saber é exatamente qual a posição do cristianismo diante do sofrimento.
Para muitos evangélicos, o sofrimento se tornou algo repugnante e intolerável. Esta atmosfera que envolve a igreja evangélica hoje, com sua ênfase na crença fácil e num cristianismo que apregoa prosperidade, acabou por criar uma atitude não bíblica entre os crentes com relação aos sofrimentos e perseguições. Para estes, o sofrimento não é da vontade de Deus e, quando este vem, questiona-se a soberania daquele que tem o poder da vida e da morte em Suas mãos. As condições da cultura pós-cristã e de uma igreja evangélica cada vez mais instável estão mudando e declinando tão rapidamente que os crentes já precisam se preparar para não serem pegos desprevenidos ao se defrontarem com perseguições e adversidades.
O problema do sofrimento transcende os campos da teologia e filosofia; ou até mesmo se mesclam. Vemos isso no questionamento do filósofo Epicuro: Ele disse:
“Ou Deus deseja remover o mal deste mundo, mas não pode fazê-lo, ou ele pode fazê-lo, mas não o quer; ou não tem nem a capacidade e nem a vontade de fazê-lo; ou, finalmente, ele tem tanto a capacidade como a vontade de fazê-lo. Ora, se ele tem a vontade, mas não a capacidade de fazê-lo, então isso mostra fraqueza, o que é contrário à natureza de Deus. Se ele tem a capacidade, mas não a vontade de fazê-lo, então Deus é mau, e isso não é menos contrário à sua natureza. Se ele não tem nem a capacidade e nem a vontade de fazê-lo, então Deus é ao mesmo tempo impotente e mau e conseqüentemente, não pode ser Deus. Mas se ele tem tanto a capacidade como a vontade de remover o mal do mundo (a única posição coerente com a natureza de Deus), de onde procede o mal (unde malum?) e por que Deus não o impede?”
A verdade é, infelizmente, que cristãos sinceros têm se deixado levar por pensamentos que fogem às doutrinas centrais acerca dos atributos de Deus. Nos relatos que foram apresentados pelos blogueiros, mais particularmente no primeiro articulador, contrariando a interpretação do Dr. Augustus Nicodemus, revela uma visão equivocada acerca do caráter de Deus. Mais uma vez percebe-se a confusão das velhas heresias marcionitas[1], questionando a bondade e soberania de Deus.
Ainda há a velha tentativa no homem caído de auto-justificação, de bondade inata e de ser simplesmente uma vítima contingencial das mazelas deste mundo. Porém, isso tudo caiu por terra quando o autor acertadamente apresentou a resposta bíblica aos problemas do mundo: pecado. Sem uma compreensão da verdadeira condição do homem, este sempre se achará vítima, e nunca réu. A depravação total do homem é claramente apresentada pelo apóstolo Paulo em Rm. 3:10-18. O versículo 10 já mostra que o homem é indesculpável: “... Não há um justo, nem um sequer...”. qualquer tentativa de justificar-se, torna o homem mentiroso diante de Deus. E por esse pecado, todo tipo de miséria e sofrimento entraram no mundo. Aliás, sofremos porque somos responsáveis pelos nossos atos pecaminosos.
Portanto, a justiça de Deus é perfeitamente santa e justa. Lemos em Rm. 1:18: “A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça”. Não há nada de errado em Deus permitir, ou até mesmo em decretar tais catástrofes (Gn. 2:17; 3:19; 6:17; Mt. 24:39; Hb. 9:27; II Pe. 2:5). Como corretamente disse o Dr. Augustus Nicodemus: “...diante de acidentes como a queda do AF 447, devemos nos lembrar que eles ocorrem como parte das misérias e castigos temporais resultantes das nossas culpas, de nossos pecados, como raça pecadora que somos”. E isso se aplica também àqueles que já foram lavados e remidos em Cristo Jesus[2].
Analisando o sofrimento numa perspectiva bíblico-teológica para com o cristão, tais adversidades têm o propósito de se tornar uma bênção, para provação da fé e aprovação da parte de Deus. O Dr. Augustus, em seu comentário de Tiago, diz: “O que os judeus cristãos da Diáspora precisavam saber era que suas muitas tribulações funcionavam como testes que visavam trazer à luz esse elemento. Não eram castigos enviados por Deus, mas disciplina paterna visando o crescimento”[3]. Enquanto que para o homem que não crê em Deus o sofrimento é uma tragédia sem precedentes, para o crente em Cristo, ele traz crescimento e dependência de Deus.
Outro texto que traz mais luz a essa interpretação acerca do sofrimento é o de I Pe. 4:12. Pedro fala: “Amados, não estranheis o fogo ardente que surge no meio de vós, destinado a provar-vos, como se alguma cousa extraordinária vos estivesse acontecendo”. Haja vista ser o sofrimento algo presente na vida cristã, Pedro mostra a seus leitores que não se deve estranhar tal sofrimento. A forma imperativa do verbo xenizesqe nos dá a entender exatamente que outro sentimento contrário a este seria de uma vida não compromissada com o evangelho. Uma melhor tradução para a forma passiva deste verbo seria “não vos surpreendais”, ou “não sejais surpreendidos”. Não sejam eles apanhados de surpresa quanto a este sofrimento, que estava presente e, certamente, aumentaria (Jo. 15-16; II Tm.3:12; I Jo. 3:13)[4].
É realmente muito difícil trazer algum consolo para as famílias que perderem seus parentes em tragédias como a temática desta análise. É até compreensível uma certa revolta por parte daqueles que não têm um conhecimento bíblico satisfatório de Deus. Porém, nos assusta reações infantis e até heréticas de muitos cristãos que, tendo conhecimento da verdade, a distorcem segundo suas paixões carnais, numa tentativa de serem até mais justos que o próprio Deus. Mesmo que haja retaliação por parte de muitos que distorcem a doutrina da soberania de Deus, é a insistência em prezar pela verdade que trará elucidação aos corações incautos e ansiosos por uma resposta
[1] Marcião de Sinope ( 110 a 160 d.C.) foi um teólogo cristão e fundador do que veio depois a ser chamado marcionismo. De acordo com a sua teologia o Antigo Testamento deveria ser rejeitado e apenas os textos que ele atribuiu a Paulo deveriam ser tidos como sagrados. Considerava que o Deus vingativo do Antigo Testamento não poderia ser o mesmo Deus amoroso a que Jesus se referia como Pai, e por isso, achava que só o Novo Testamento interessaria aos cristãos. Na doutrina de Marcião havia assim um Deus bom e um Deus mau. O primeiro ficava em um plano superior. Num plano abaixo na criação estava o Deus venerado pelos hebreus, a qual Marcião chama de Deus da Lei. Em um terceiro plano estavam os anjos, e o quarto e último plano era "Hyle" (matéria em grego). O Cristo havia sido enviado pelo Deus bom para libertar as almas do plano material.

[2] De acordo com David Barrett, editor do World Christian Encyclopedia, 300.000 (trezentos mil) cristãos são martirizados todos os anos. 833 (Oitocentos e trinta e três) por dia. Barret conclui que a probabilidade mundial de alguém ser martirizado por ser crente é de 1 para 200. Se for missionário, de 1 para 50. Se for evangelista em sua própria pátria, de 1 para 20 (Nova Iorque: Oxford University Press, 1982)[2].
[3] LOPES, Augustus Nicodemus, Tiago, Ed. Cultura Cristã, São Paulo, S.P., 2006, p. 23.
[4] MUELLER, Ênio R., IPedro, p. 244-245. É possível que ao enfatizar este aspecto da surpresa do sofrimento, pode ser uma evidência de que maior parte dos leitores é de origem não-judaica;os judeus por sua própria história, já estavam mais acostumados a perseguições e sofrimentos, ao passo que os cristãos de origem gentílica podiam às vezes não saber bem o que fazer dentro de tais situações. O fogo ardente, que estava destinado a provar os cristãos era exatamente uma forma de purificação, lapidação da fé daqueles irmãos. Tanto no Novo Testamento quanto no Antigo Testamento (Setuaginta), a palavra traduzida por “ardente” é usada juntamente com o termo “fornalha”. Segundo MacArtuh Jr. comenta acertadamente, no Antigo Testamento este vocábulo se aplicava a um forno para fundição de minérios, no qual o metal era derretido para ser purgado dos elementos estranhos[4]. O Salmo 66:10 diz: “Pois tu, ó Deus, nos provaste; tu nos afinaste como se afina a prata”. Essa ardente prova é símbolo da aflição destinada por Deus “para vos provar”.